quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Eu e a greve geral

1. Pertenço ao grupo dos que encontram virtualidades na vinda da troika para Portugal. Acredito que só assim se conseguirá cortar a sério na despesa pública; e acredito nas virtualidades da monitorização permanente da aplicação do programa de ajustamento. Esperando eu – embora, é certo, sem grande convicção – que estas marcas conjunturais a que o país está agora obrigado se tornem, depois, permanentes. 

2. Há quem diga que a necessidade de agora estarmos a ser governados por “estrangeiros” - argumento que, temos de reconhecê-lo, tem o seu quê de xenófobo – representa uma forte 'moção de censura' sobre a nossa classe política. Pois, talvez. Para mim representa algo mais: uma 'moção de censura' a um povo inteiro (onde me incluo, claro) que, repetidas vezes, premiou em eleições quem manifestamente lhe estava a mentir (negando aumentos impostos ou prometendo tudo e um par de botas - pontes, autoestradas, aeroportos, TGVs e quejandos, promessa que, para mal dos nossos pecados, muitas vezes até foram concretizadas, como é óbvio com o dinheiro que não existia e endividando o país por gerações e gerações). 

3. Concordo no essencial com os termos do programa de ajustamento (embora admitindo que os prazos de pagamento do empréstimo possam ser demasiado apertados) e não me parece que o leque de opções ao alcance do Governo para o aplicar seja muito alargado. 

4. Lamento – no Governo e na maioria que o suporta – uma coisa: que o seu empenho em cortar na despesa pública se acobarde totalmente quando enfrenta o 'lobbie' do poder local. E – no Parlamento – que, face ao inevitável recuo do Estado Providência, não se aprovem medidas que obriguem as empresas a reforçar a sua responsabilidade social perante os seus próprios funcionários (creches, assistência médica mínima, etc.). 

5. Não ignoro que cada um julga o filme que vê a partir da cadeira em que está sentado. Na minha decisão face à greve geral admito poder estar condicionado pelo facto de não integrar o grupo dos que serão mais atingidos (funcionários públicos e pensionistas). Mas é verdadeiro o argumento de que sobre os trabalhadores do sector privado paira a núvem, muito negra, do desemprego – algo que não assusta grande parte dos funcionários públicos. Testemunhei na empresa onde trabalho o maior despedimento colectivo de que há memória em grupos de comunicação social em Portugal. Não me lembro de nos trabalhadores do Estado ter acontecido alguma vez algo semelhante. 

6. Compreendo esta greve geral e acho muito bem que as estruturas representativas dos trabalhadores sinalizem permanentemente o poder político (ainda para mais maioritário) de que não pode fazer tudo o que lhe apetece sem ter resposta. 

7. Sei que para o país voltar a voltar a crescer é preciso muito mais do que, simplesmente, limitar o défice e a dívida. É preciso um movimento geral da economia portuguesa e de todos os seus protagonistas – pequenos, médios, grandes, privados, estatais, políticos, etc - que torne possível a cada consumidor português substituir, com ganhos de de preço e qualidade, o consumo de produtos importados pelo consumo de bens nacionais (enfim, a tal questão da “produção de bens transacionáveis”). 

8. Parece-me que neste momento o debate está polarizado – e, como é costume, tristemente panfletário – entre os que acham que as soluções do Governo vão matar o doente com a cura e os que acham que depois da tempestade virá seguramente a bonança.

9. Por mim, pessoalmente, não sei. Não sei se estas soluções vão conduzir (ou não) o país ao tal ciclo infernal grego (austeridade gera recessão que gera mais austeridade que gera mais recessão e por aí adiante) ou, pelo contrário, o colocarão em condições de voltar a crescer. 

10. Em boa verdade, ninguém pode saber – e é aqui que bate o ponto. É impossível julgar um Governo com seis meses de função. É impossível garantir, para além de qualquer dúvida, que os “remédios” que está a aplicar não vão resultar. Falta o “ver para crer” - porque ainda não se viu nada. E é por tudo isto que não vou aderir à greve geral – porque não vejo a greve como uma forma de luta preventiva face a uma realidade que se antecipa.

11. Mas atenção! Dentro de um ano temos mesmo de começar a ver, como o Governo tem prometido, o “princípio do fim” da crise; dentro de um ano tem de se tornar claro, inquestionavelmente claro, que os subsídios de férias e de Natal da função pública e dos pensionistas serão repostos em 2014 (num país com um rendimento médio per capita de 700 euros/mês esta solução não se poderá tornar estrutural). Dentro de um ano, isso sim, veremos. E se em 2014 esses subsídios não forem repostos, então haverá razões para muito mais do que uma greve geral – haverá razões para pensar que o Governo deve ser demitido. 

12. Dentro de um ano darei razão a quem hoje já diz “vamos morrer da cura”. Ou então não. Depende mais da realidade do que de mim próprio.

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